É Proibido Dar Comida (Erasmo Ruiz-UECE)
As cidades estão "infestadas" de pedintes, crianças abandonadas e moradores de rua. Apesar dessa condição ultrajante, de serem animais vivendo em meio aos dejetos da sociedade, ainda são, pasmem, seres humanos. E como tal, são indivíduos que desfrutam do estatuto de pessoas, abarcados por uma instância jurídica e política chamada cidadania.
Muitos hão de convir que essa história de "cidadania" costuma funcionar relativamente bem em acordo com o limite do cartão de crédito. Gente despossuída, ou melhor, gente que possui precariamente os trapos que cobrem o corpo não são seres que possam ser contemplados por essa peça ficcional do E$tado Burguê$. Para eles, ultimamente (ou quem sabe sempre), tem restado as execuções sumárias embaixo de viadutos ou de serem "peças" pirotécnicas para o deleite sádico de delinquentes de classe média.
Mas, convenhamos. Moradores de rua são péssimos lembretes, atrapalham o comércio e ainda cometem a descortesia de evacuar e urinar nos espaços públicos enquanto os ditos cidadãos de respeito aumentam o fluxo do esgoto sem tratamento que poluí rios e mananciais. Realmente, abrir uma loja e encontrar na frente dela um monte de cocô deve ser uma experiência traumática.
Sendo assim, alguns mui dignos moradores do Bairro de Santa Cecília em São Paulo resolveram, de forma cívica e cidadã, atuar sobre o problema. Irão fazer uma ofensiva contra as ONGs que promovem distribuição de comida para essas massa de homens lixo que exercem seu direito de ir e vir pelas ruas do bairro. O objetivo é fazer com que na ausência de comida estes cidadãos plenos em direito e fome possam procurar outras paragens.
Tão importante decisão foi tomada por um autodenominado "Conselho de Segurança" integrado por moradores, comerciantes, polícia e representantes da Sub Prefeitura da Sé, Guarda Civil e Santa Casa de Misericórdia (digamos que o nome do hospital parece soar um tanto irônico).
O Egrégio Conselho irá mapear as ONGs e lanchonetes do bairro que ao invés de jogarem comida fora doam comida a pessoas que estão sem comer. Numa estratégia educativa, os responsáveis serão abordados um a um para que parem de doar comida. Caso a estratégia educacional não surta efeito, os cidadãos de bem notificarão a Vigilância Sanitária para que interdite os restaurantes e lanchonetes irregulares que continuam realizando ato tão hediondo quanto o de alimentar miseráveis. Um comerciante mais afoito já tomou a dianteira. Diz jogar desinfetante nas pessoas sempre que as encontra na frente do seu produtivo estabelecimento.
Com medo que seu maravilhoso e tradicional bairro se transforme em antro de moradores de rua, cidadãos plenos de direitos, patriotas, cristãos e pagadores de impostos buscam uma saída prática e radical: livrar-se do "lixo" humano que se alimenta de sobras que deveriam se transformar em lixo. Seres humanos que moram nas ruas e que, em tese, estariam sem perspectiva de vida a não ser viverem na rua, são brindados por uma ação sem perspectiva a não ser aquela perspectiva típica das soluções fascistas que lidam com qualquer ruído como algo a ser extirpado. Essa gente sem comida, banho e trabalho deve ser retirada dali e caberá a outros cidadãos usarem da mesma solução no dia em que esses homens lixo se mudarem para novos locais.
Fica a pergunta no ar. Quando alguém terá a brilhante idéia de criar um campo de concentração para colocar esse povo que tanto incomoda? Bastaria arrumar um lugar bem longe, de preferência o subúrbio do subúrbio do subúrbio, cercar tudo com arame farpado eletrificado, fazer uma cota para pagar os vigilantes da guarita e instituir a pena de morte para quem resolvesse fugir de tão hospitaleiro abrigo. Engana-se quem achava que a Faixa de Gaza fica apenas no oriente médio. A diferença é que somos mais "sutis" em nossos bloqueios econômicos. Contra esses terroristas de merda, urina e mal cheiro, AS ARMAS DA FOME!
47 anos, Psicólogo e Professor da Universidade Estadual do Ceará
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